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Julia Gerchenzon e Pedro Bueno
1 Junho, 2020

Pastor da Assembleia de Deus do conjunto habitacional Fazenda Botafogo, Zona Norte do Rio de Janeiro, Ricardo Marques, entende que o decreto feito pelo prefeito Marcelo Crivella é um fator inevitável para a abertura de todas as portas que foram fechadas, por conta da pandemia. No último dia 25, Crivella liberou uma prescrição que permitiria a realização de cultos religiosos em templos e igrejas da cidade, o que surpreendeu o próprio comitê científico da prefeitura. Até aquela data, o município registrava 4.105 óbitos. Quatro dias depois, o juiz Bruno Bodart, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, suspendeu a determinação municipal do prefeito.
Marques é pastor há nove anos e falou que a igreja em que ministra não funciona de forma presencial durante a pandemia. O contato com os fiéis é feito por meio de reuniões online, transmitidas ao vivo por grupos de WhatsApp. Ele contou também que a frequência dos cultos foi bastante reduzida e as doações feitas para a Igreja foram suspensas por conta da não presencialidade. A posição da Assembleia de Deus da Fazenda Botafogo, nesse momento, é de aguardar mais um pouco, e observar a curva de achatamento da doença nas próximas semanas.
- Na verdade, o decreto do dia 25 traz a responsabilidade para todos aqueles que irão fazer parte dele. Ou seja, a reabertura de igrejas e templos veio com uma série de restrições visando o bem-estar coletivo da população. Então, quando nós lemos o decreto de uma maneira superficial, entendemos que ele dá o direito de todos abrirem da mesma forma que fechamos no dia 15 [de março]. Na verdade não é bem assim, ele tem restrições que são observadas de uma maneira muito criteriosa.
Outra igreja da Assembleia de Deus que resolveu fechar as portas durante a pandemia foi a da Vila São João, em São João de Meriti. No dia 26 de março, o pastor presidente Fábio Medeiros decidiu suspender as atividades presenciais para não pôr em risco as 300 pessoas que frequentavam os cultos. Vale ressaltar que a prefeitura do município de São João de Meriti foi mais rígida do que a do Rio para conter os avanços do coronavírus. Everton Faria da Silva visitava a Igreja pelo menos três vezes por semana. Além de fiel, ele é presbítero e concordou com a postura do pastor presidente da Assembleia que frequenta. Everton chegou a ser convidado para ministrar a palavra de Deus em outras igrejas, que estão em funcionamento durante esse período, mas foi proibido por Medeiros de frequentar outras casas nesse tempo. Enquanto está em casa, o presbítero assiste os cultos online transmitidos por lives nas páginas do Instagram e Facebook da Assembleia de Deus Ministério Terra Profética.
- Eu tive o bom senso de concordar com ele [o pastor]. Devemos nos cuidar, porque no tempo determinado por Deus, eu creio que tudo isso vai passar. Estou doidinho. Louco para reabrir logo esse templo, mas ligadinho com Deus, esperando esse momento. Nós temos que nos cuidar muito e manter o distanciamento.
Os fechamentos das igrejas não afetam somente os evangélicos. O Centro Espírita Rita de Cássia, no Leblon, Zona Sul do Rio, foi outra casa que não funcionou por causa do Covid-19. Ana Lúcia Vianna, voluntária e frequentadora há dez anos, contou que a instituição não pretendia acatar a liberação dada pelo prefeito Crivella. Ela disse que as únicas atividades que o Centro faz nesse tempo são os trabalhos voluntários na favela da Rocinha. As evangelizações e palestras são feitas por reuniões na plataforma Zoom. Ana Lúcia afirma que o fiel não vai deixar de ser menos religioso por não frequentar o local das preces, que o momento agora é pensar no coletivo e na saúde geral das pessoas.
- Não concordo com a reabertura dos templos religiosos, porque se as pessoas realmente preservam sua religiosidade e dão importância pra isso, é mais um motivo para elas darem importância para a saúde, não só delas, como as dos outros também. Você pode ter toda uma ambientação dentro da sua casa e essa conexão está dentro de você e não precisa de um lugar específico.
A kardecista também falou que voltar em um momento em que os números dos casos e mortes por coronavírus na cidade ainda são altos seria inseguro para os fiéis e para si mesmo. Ela lembra que mesmo com as restrições, os templos são lugares que geram aglomeração e muitas pessoas podem contrair o vírus ao mesmo tempo.
Mesmo que algumas pessoas ainda não se sintam seguras, Eliane Cantinho diz que sente muita falta das celebrações presenciais nas igrejas, e que se reabrissem, ela iria experimentar frequentá-las nessas condições. A última vez que Eliane foi a uma missa presencialmente, foi no dia 21 de março e, desde então, acompanha as cerimônias transmitidas pela TV Brasil. Apesar de saber que a volta à rotina religiosa seguiria as recomendações dadas pelas autoridades de saúde, a católica que frequenta há mais de quarenta anos as igrejas Santos Anjos e Santa Mônica, as duas no bairro do Leblon, achou um absurdo o decreto assinado por Crivella. Ela concordou com a posição adotada pela Arquidiocese da cidade de manter as celebrações à distância das igrejas católicas administradas pelo Governo Arquidiocesano. A decisão foi divulgada pelo arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, um dia após o prefeito anunciar a reabertura.
Assim como as instituições católicas cariocas, as sinagogas também transferiram os serviços religiosos para o online. As principais instituições judaicas da cidade, como a Associação Religiosa Israelita (ARI), Beit Lubavitch e a Congregação Judaica do Brasil (CJB) realizam as atividades pelo aplicativo Zoom e pelo Facebook. Victória Saad frequenta a CJB, administrada pelo rabino Nilton Bonder, na Barra da Tijuca. O centro religioso está funcionando online, cinco dias na semana. Nas sextas-feiras, o dia mais sagrado para os judeus, o rabino criou uma nova dinâmica e costuma conversar com aproximadamente 300 pessoas ao mesmo tempo. Victória não é adepta ao online, mas é contra a abertura de qualquer instituição religiosa, nesse momento.
- Enquanto a gente tiver um número alarmante de gente morrendo e sabendo que é uma doença altamente contagiosa, a gente não pode se dar o luxo de frequentar a sinagoga. Até porque, isso pode prejudicar as pessoas mais velhas que vão em peso em todos os shabat. Muitas das pessoas que frequentam a sinagoga são idosos, imagina se alguém se infectar lá. Pode botar a vida dessas pessoas em risco, acho muito perigoso. Eu gosto muito de ir na sinagoga, de estar lá, a energia é diferente, mas por enquanto, só online.
Para algumas religiões a adaptação para o mundo digital não é tão simples. Segundo a zeladora (mãe de santo) do terreiro de Umbanda Centro Espírita Caboclo de Sete Flechas, em Sepetiba, Vanessa Medina, não é possível, por exemplo, realizar as giras, que são os cultos ritualísticos em plataformas online. O centro não parou, mas não abriu, os frequentadores criaram um grupo onde fazem as orações, conversam e fazem vídeo chamadas. Vanessa disse que o grupo está desenvolvendo uma outra parte dentro da espiritualidade e muita coisa tem sido descoberta.
- O Terreiro vai continuar fechado enquanto eu não tiver a segurança e a ordem, até da própria espiritualidade, que foi dada antes mesmo dos nossos governantes. Nós fechamos antes do carnaval e a ordem [espiritual] foi de não reabrir. Nós encontramos uma outra forma de nos comunicarmos, de continuar os nossos trabalhos. Da minha parte, só vou reabrir, realmente, quando tivermos um tratamento, uma vacina, ou uma solução efetiva. Não vamos colocar em risco as pessoas que estão aqui, mesmo que a abertura tenha sido liberada pelo governo.
A federação União Umbandista dos Cultos Brasileiros também ordenou o fechamento dos centros espíritas de Umbanda sem previsão de reabertura. Segundo a zeladora, cada terreiro tem autonomia para reabrir quando achar adequado. Além disso, mesmo com a ordem de fechamento, há terreiros funcionando presencialmente. Vanessa é contra a reabertura de qualquer templo religioso.
- As pessoas estão sempre querendo que tudo volte ao normal, mas todos que frequentam aqui têm a mesma vibe e acreditam que abrir significa cura, paz e um novo tempo. Então, todo mundo está querendo a reabertura? Sim, mas todos sabem que só será reaberto quando tudo estiver, pelo menos, controlado. Ainda é o momento de se resguardar o máximo possível. Se sairmos disso bem, ficaremos todos juntos. Para que arriscar perdemos a nossa vida pela pressa? Um dia ou um mês não valem uma vida.
Apesar do veto da Justiça para a reabertura de templos religiosos, a cidade do Rio de Janeiro vai flexibilizar o isolamento social a partir de amanhã (2). Marcelo Crivella anunciou a retomada das atividades de maneira gradual, em seis etapas diferentes. A primeira fase inclui a retomada de atividades presenciais em igrejas. Segundo a Prefeitura do Rio, templos religiosos nunca estiveram fechados. Hoje, o município do Rio de Janeiro tem 30.014 casos confirmados e 3.671 mortes por Covid-19, de acordo com dados oficiais da prefeitura.