Julia Gerchenzon
4 Maio, 2020
O personalismo em cenário de antipetismo como força política
"Se o Lula não se candidatar, eu vou votar no Bolsonaro", "Bolsonaro é péssimo, mas o PT não pode voltar ao poder", "Eu gosto do Haddad e até votaria nele, mas eu sei que ele é um boneco do Lula, e não dá, né?", "No PT não voto de jeito um." Essas foram frases que escutei, algumas vezes, durante as eleições de 2018. As razões pelas quais essas pessoas escolheram ou descartaram determinados candidatos, pouco tinha a ver com o plano de governo de cada um.
Em um cenário que incluía o ex-presidente Lula nas eleições presidenciais, a pesquisa realizada pelo Datafolha do dia 22 de agosto de 2018 apresentou o Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com 39% e Jair Bolsonaro (PSL) com 19% das intenções de votos. Depois da confirmação de que o ex-presidente não poderia disputar, o partido escolheu o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, com a ideia de que os votos de Lula iriam automaticamente para o novo candidato do PT. E isso não aconteceu. E mais, o antipetismo já era, e ainda é uma das maiores forças políticas no país. Então, como um eleitor do Lula poderia votar no Bolsonaro, um candidato que usava o antipetismo como propaganda eleitoral?
Em entrevista à BBC Brasil, o cientista político Lúcio Rennó disse que o perfil desse eleitor é o de pessoas de classe média e classe média baixa que sentiram melhorias no governo Lula e enxerga no ex-presidente a lembrança de tempos melhores. Há uma visão personalista da política, a busca por alguém forte que bote ordem na casa, o “grande pai” que vai proteger e que se apresenta como uma figura honesta e diferente.

Nova Composição da Câmara (Imagem: camara.leg.br)
Segundo o site Politize, há três modelos principais que explicam o comportamento eleitoral: sociológico, psico-social e escolha racional. O primeiro defende que o contexto social, político, econômico e cultural influenciam nas decisões eleitorais. De acordo com o modelo psicossocial, há um conjunto de fatores dentro da cabeça do eleitor, o foco está direcionado para o âmbito individual, e não no pertencimento a um grupo. Opiniões de amigos, familiares e da mídia exercem mais influência do que o contexto histórico e social. Já no modelo da escolha racional, o cidadão faz um cálculo de custo-benefício de qual candidato será mais vantajoso para sua vida.
Ainda de acordo com o Politize, os estereótipos pessoais e sociais do candidato influenciam na hora do eleitor escolher para quem vai o voto. De acordo com os Cientistas Políticos David P. Redlawsk e Richard L. Lau, no capítulo “Political Heuristics” do livro “How Voters Decide?”, apenas com a imagem do candidato, é possível reconhecer muitas informações sobre ele, como gênero, raça, idade, e também o “nível de simpatia”, e isso traz muitas conclusões e interpretações sobre o candidato para o eleitorado.
No Brasil, os estereótipos sociais de um candidato tem muito valor, isso se deve também ao sistema de lista aberta, ou seja, cada candidato, apesar de continuar vinculado ao seu partido, tem uma candidatura independente, recebendo diretamente os votos de seus eleitores. Há muitos críticos a esse sistema justamente porque ele fomenta o personalismo e diminui a visibilidade das propostas de governo, ou seja, a figura do candidato acaba tendo um peso maior no processo de escolha.
De acordo com o professor de ciência política da USP José Álvaro Moisés, o ideal seria apresentar uma lista que representa um projeto de um partido, e isso seria uma maneira de dar mais poder ao eleitor. No modelo de lista fechada, vota-se no partido e o eleitor votaria em um conjunto de candidatos.
- O modelo atual, de eleição proporcional em lista aberta, não é o ideal para a representação. O eleitor é iludido, estritamente, por supostas qualidades individuais do candidato A ou B. Essas características não descrevem bem o projeto que o conjunto de candidatos quer apresentar para melhorar a qualidade de vida das pessoas – afirmou o professor.
CONTINUA
Pedro Bueno
4 Maio, 2020
Prato da casa: Sopa de letrinhas partidária
No Brasil existem 33 partidos registrados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Siglas, que por muitas vezes, não sabemos nem o que significa. Algumas letras que se unem para formar ideais são conhecidas e ainda tem seus adeptos, mas cada vez mais os partidos se tornam um instrumento para ataques, por ser ligado, quase sempre, a figura de um político. Em outros casos, reinam até mesmo a irrelevância do interesse nessas associações. A imagem de persona salvadora é o desejo de todo brasileiro, seja por necessidade ou carência, e é em personagens políticos que o Brasil se agarra, ao longo da história.
Na escola, estudamos o processo de formação do país. Da política do café com leite, a revolução de 1930, Era Vargas, Dutra, Jânio e Jango, até a atualidade. Nomes e nomes de pessoas que governaram o país. Mas quando elas vêm à memória, os partidos (quase) nunca as acompanham. Jânio Quadros, o Vassourinha, passou por seis partidos na carreira política, e alguns deles com características bem diferentes. O 22° presidente do país começou no Partido Democrata Cristão (PDC), de cunho conservador de direita, de oposição ao getulismo, e também militou no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), criado por Getúlio Vargas.
O ex-partido do presidente Jair Bolsonaro, Partido Social Liberal (PSL) subiu de um representante (justamente o atual chefe de Estado) na Câmara dos Deputados para 52 e de nenhum no Senado para dois representantes na Casa. Mas somente uma revolução ideológica poderia ser capaz de causar tanto engajamento em um partido que existe desde 1994 e não tinha nenhuma perspectiva em cenário nacional - não foi bem isso que aconteceu. Assim como os políticos eleitos que surfaram na onda Bolsonaro nas eleições de 2018, o PSL foi junto no mar de votos sem mesmo ser conhecido.

As diferentes ideologias servidas em um desconhecido prato de sopa de letrinhas partidárias (Ilustração: Rob/VEJA)
E nessa onda de controvérsia de partidos e pessoas, Wilson Witzel, do Partido Social Cristão (PSC), foi outro eleito sem mesmo ser apontado por pesquisa nenhuma como o favorito. Ao passar para o segundo turno, as pessoas foram obrigadas a pesquisar mais sobre o então desconhecido e atual governador fluminense – e entre outras descobrir que nem no Rio de Janeiro ele nasceu. O PSC, partido de direita, pelo menos usou da imagem do presidente com coerência de ideologia para eleger dois governadores (Rio e Amazonas), o que não aconteceu em 2010, ao participar da coligação de apoio a candidata Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores. No caso de Witzel nem a própria figura teve força, nem o partido, foi à idolatria gerada por outro político que o elegeu. O PT tentou usar do mesmo artifício, mas os fãs do ex-presidente Lula não tiveram a mesma fé no candidato à presidência pelo partido, Fernando Haddad, que acabou derrotado.
Com todos os acontecimentos nos últimos anos, é interessante pensar como vão ser as eleições de 2022. A figura do personagem político vai continuar tão forte, em busca de um novo salvador, após décadas de falhas? Talvez os partidos se apresentem de uma forma mais ampla e parem de se esconder atrás de uma pessoa, que talvez nem tenha os mesmos ideais. O Brasil não vive mais a ditadura militar de Arena e MDB para se pensar só em PT e PSDB quando a palavra partido vem à tona. Mas enquanto questiono o futuro, a imagem da composição da Câmara e do Senado parece ser um grande prato de sopa de letrinhas.