Julia Gerchenzon
20 Abril, 2020
Live is the new concert
Virar a noite para comprar o ingresso do show do seu artista favorito, procurar o possível setlist na internet, escutar músicas aleatórias enquanto a equipe faz o teste dos instrumentos, e o frio na barriga durante a espera do início do show... isso tudo foi interrompido, por tempo indeterminado. As cervejas superfaturadas vendidas nos bares nas laterais das pistas foram substituídas pelas cervejas da geladeira de casa. Os pulos, gritos e abraços com estranhos, que estão ao seu lado, respirando o mesmo ar que você e seu artista favorito foram trocados pelo sofá e um story no instagram. Pelo menos até o fim de 2020, lives are the new concerts.
Diversos shows e festivais que estavam marcados para esse ano foram cancelados ou adiados por causa do coronavírus. Um deles é o festival internacional Lollapalooza, que além de movimentar a indústria cultural brasileira e mundial, estimula o turismo na cidade de São Paulo desde 2012. De acordo com Observatório de Turismo e Eventos da Cidade de São Paulo, São Paulo Turismo (SPTuris), em 2019, o público do festival foi responsável por movimentar R$ 93 milhões na economia da capital paulista, com gastos em hospedagem, alimentação e outros programas culturais. Além disso, 73% dos jovens que assistiram às apresentações também aproveitaram para aproveitar a vida noturna em São Paulo.
Outro evento que foi cancelado foi o show da Taylor Swift, que estava marcado para ocorrer nos dias 18 e 19 de julho. Os fãs da voz de Shake It Off sonhavam com uma apresentação da cantora há anos, ela nunca fez uma performance aberta ao público, em solos brasileiros. A comunidade swiftie perdeu a primeira chance de assistir, em vida real, uma das principais cantoras da atualidade. E não acredito que uma live no Youtube possa substituir, ou até mesmo, ser comparada com um show ao vivo.

Público curte show de Sam Smith no Lollapalooza 2019 (Foto: Fábio Tito/G1)
Por outro lado, as lives se tornaram uma opção viável para os artistas ganharem dinheiro. Segundo uma reportagem do jornal Nexo e do jornal britânico The Guardian, nos últimos dez anos, as apresentações ao vivo se tornaram uma das principais fontes de rendas dos artistas na indústria musical. Ao longo dos anos, o número de vendas dos álbuns caíram, isso se deve, também, aos aplicativos de música, como Apple Music, Deezer e Spotify.
Durante a quarentena já tiveram apresentações virtuais de diversos artistas e com estruturas diferentes. Cantores fazendo lives do celular, de maneira acústica e conversando diretamente com o público, mas também tiveram lives super estruturadas, com equipe composta por 18 pessoas. Além do sucesso para o público, algumas lives se tornaram um meio eficaz para conseguir arrecadações e para fazer propagandas. Um exemplo disso, é a cantora Marília Mendonça, que quebrou o recorde de espectadores simultâneos em uma live no Youtube, e fez um show de anúncios das Havaianas e Americanas.com. Ela também conseguiu arrecadar mais de 225 toneladas de alimentos para doação, isso tudo em três horas de apresentação virtual, durante a quarentena.
Não acredito que as lives possam substituir toda a atmosfera e euforia de uma apresentação ao vivo, mas ela abre novos caminhos para os artistas se reinventarem. As lives podem se tornar um motivo para os amigos se reunirem sábado a noite, por exemplo, mas elas nunca substituirão o ao vivo. Uma live seria como escutar sua música favorita no Spotify, e a apresentação ao vivo seria como ouvir sua música favorita na rádio ou em uma festa. Sensações completamente diferentes.
CONTINUA
Pedro Bueno
20 Abril, 2020
As diversas concepções de live
As redes sociais e o ambiente exclusivamente digital foram obstáculos já superados pelas lives. Isso não é de hoje. O “ao vivo” existe há muito tempo, principalmente no jornalismo. As entradas diárias de Ariel Palácio, com o cenário característico, na Globo News, não são novidade para ninguém. Já a transmissão dos shows de Ivete Sangalo e Roberto Carlos, diretamente de casa, por uma tela de celular, em pleno Domingão do Faustão, ecoa novidade. A palavra live, impulsionada pelo isolamento social, ganha conotações diferentes. Hoje, ela se confunde como uma função de aplicativos ou sites, como o YouTube e o Instagram, e a tradução simultânea da palavra. A nova tendência, principalmente os shows, se junta ao “ao vivo” do dia a dia e ganha espaços nas televisões, pelo menos por enquanto.
Além dos shows no programa de Fausto Silva, a Globo usou e abusou das lives dos artistas nas festas do Big Brother Brasil (por sinal, essa ferramenta proporcionou uma quantidade de apresentações “ao vivo” jamais vista por qualquer participante das edições anteriores do reality). Nesse fim de semana, o One World: Together At Home foi transmitido pelo canal Multishow e pela TV Globo, aqui no Brasil, e pelos canais americanos ABC, CBS e NBC. É a tela sobre a tela que se mostrou uma opção para emissoras nessa pandemia. Inclusive, as lives artísticas têm se mostrado uma alternativa para todos os lados: artistas, público e patrocinadores.
Organizado pela ONG Global Citizen, o festival digital Together At Home foi chamado de Live Aid das lives – e aqui vemos bem a dicotomia atual do termo. Foram US$127 milhões arrecadados para as doações e uma média de 14 milhões de pessoas assistiram às performances, contanto somente as transmissões da TV americana. O sucesso pode estar ligado não só o que essas lives se tornaram, mas o que elas podem representar daqui para frente e quem pode se interessar por elas.

Live da cantora Marília Mendonça bateu o recorde de audiência, com 3,2 milhões de visualizações simultâneas (Foto: Reprodução)
Os artistas começaram a gerar um entretenimento “ao vivo” que se perdeu com a pandemia e chamaram a atenção para aquilo que sustenta as televisões: os patrocinadores. Marcas de diversos segmentos pagam – e bem – para aparecer nas lives dos artistas. Enquanto a boa ação de arrecadar doações se mistura com o forte poder da publicidade, a TV começou a abaixar a guarda nesse momento de fraqueza do “ao vivo” da indústria do entretenimento. Em uma coluna no site UOL, o jornalista Leo Dias alertou para esse fator e da o exemplo das polêmicas lives do cantor sertanejo Gusttavo Lima. “As lives tiraram da TV audiência, relevância e ineditismo. Do dia para a noite, as emissoras passaram a exibir reprises, e a internet chegou a níveis que ela só alcançaria daqui a cinco anos. O mercado publicitário se voltou para a internet e chega a pagar quase 500 mil para anunciar na live de Gusttavo. Isso gera um rombo nas emissoras de televisão”.
Apesar do cenário exposto por Dias, não vejo isso como uma luta e sim como uma união que pode ser feita para o futuro. Os conteúdos, hoje, são cada vez mais pensados para a transmissão televisiva. As lives shows são produções audiovisuais que já se mostraram poderosíssimas e que atraem uma audiência gigante – Marília Mendonça teve 3,2 milhões de pessoas simultâneas ligadas na sua apresentação em casa. A TV e as lives podem juntar as forças e propor algo maior, mais elaborado e que não gaste tanto dinheiro como um show. Com os avanços da tecnologia e a geração Alpha cada vez mais presentes, não duvido que isso possa acontecer.
Mesmo com o cenário de incertezas para o futuro, acredito que uma palavra faz a diferença nesse ponto: experiência. Ela faz surgir o terceiro e mais importante conceito do “ao vivo” – estar presente. Nada se compara a viver uma experiência. O “ao vivo” presencial cativa, mesmo que seja pela televisão. O Live Aid, em 1985, atingiu 1,9 bilhão de pessoas no mundo e arrecadou os mesmos US$127 milhões desse fim de semana. Na época, Queen, U2, David Bowie, entre outros, cantavam para a plateia do estádio Wembley. Todos já olhamos para a televisão e nos arrepiamos com a multidão pensando: “Como eu queria estar lá.”.