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Artigos

ERA DOS DADOS:

É possível se proteger?

Julia Gerchenzon

11 Maio, 2020

A Era do Capitalismo de Vigilância e a nova ordem econômica

As pessoas escutam a vida inteira que nada é de graça, e na internet, não é diferente. É preciso considerar que em sites e plataformas gratuitas, o usuário fornece seus dados pessoais em troca dos serviços, e geralmente sem um consentimento explícito. As grandes empresas do Vale do Silício analisam e comercializam essas informações e criam uma base de dados pessoais para manipular o comportamento, hábitos e opiniões das pessoas. Isso não ameaça apenas a privacidade do usuário, mas principalmente a democracia. No momento atual, estamos na Era do Capitalismo de Vigilância, conceito criado pela ex- professora de Administração de Harvard Shoshana Zuboff.

O novo modelo econômico consiste na compra e venda de análises comportamentais dos usuários. Com essas informações, as empresas conseguem selecionar o conteúdo que chegam até as pessoas. Isso cria um isolamento e, consequentemente, uma manipulação da realidade. Um exemplo recente é o caso da Cambridge Analytica, empresa de análise de dados que trabalhou para a campanha eleitoral de Donald Trump, em 2016. Segundo uma investigação do jornal The Guardian, a empresa teria comprado informações pessoais de usuários do Facebook e as utilizaram para influenciar as escolhas de eleitores indecisos. Segundo a apuração, 50 milhões de usuários da rede social tiveram os dados coletados pela Cambridge Analytica.

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Manifestantes em protesto a pedidos de proteção e asilo para Edward Snowden, em 2013 (Foto: Getty)

As notícias falsas compartilhadas nas plataformas de Zuckeberg são um exemplo das consequências desse modelo econômico e social. O uso de mecanismos ilegítimos de captação de dados e controle de comportamento por empresas, para propagar uma ideologia e novos mercados, é um problema para o futuro da democracia. De acordo com Zuboff, a evolução desse capitalismo revive o pensamento de Karl Marx sobre o capital ser um ‘’trabalho morto’’ que age como vampiro, porque suga o ‘’trabalho vivo’’. Atualmente, o capitalismo se alimenta de todos os aspectos da vida da pessoa e não apenas do trabalho.

Para tentar controlar a circulação de informações pessoais e garantir a privacidade dos cidadãos, algumas medidas foram tomadas pelos governos ao redor do mundo. Por exemplo, a aprovação do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) pela União Europeia, em 2016 e a aplicação de multas milionárias para as grandes empresas que invadissem a privacidade dos indivíduos. Mas essas medidas afetam apenas os sintomas, a lógica de negócio do Capitalismo de Vigilância é a comercialização e o acúmulo de dados. Para solucionar a raiz do problema, os titãs do Vale do Silício teriam que reorganizar essa nova ordem econômica, que alguns chamam de ‘’Quarta Revolução industrial’’.

CONTINUA

Pedro Bueno

11 Maio, 2020

Os dados como ameaça democrática

A Netflix lançou, em julho de 2019, o documentário sobre um escândalo global envolvendo o uso de dados pela empresa britânica Cambridge Analytica. “Privacidade Hackeada” conta como, por meio do recolhimento de dados, a firma mapeava potenciais eleitores ainda sem o voto definido e trabalhava por geração de conteúdo digital, para a formar a opinião dessas pessoas. A Cambrigde Analytica atuou nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos, na campanha que elegeu Donald Trump, em 2016, e a favor do Brexit, no referendo para a saída do Reino Unido da União Europeia, no mesmo ano. As duas campanhas saíram vencedoras. Há casos em que conteúdos exagerados e até falsos - fake news - foram divulgados massivamente para os usuários sem opinião formada para influenciar no voto final. Na campanha de Trump, cerca de 5,9 milhões de anúncios foram gerados em comparação com 66 mil da adversária Hillary Clinton. Isso tudo feito com diagnósticos e perfis individuais, fornecidos pela companhia britânica, por meio dos inúmeros dados recolhidos sem o consentimento dessas pessoas.

No século XXI, os dados se tornaram um método para partidos e campanhas políticas chegarem ao poder. Além da ascensão por fake news, os governos acabam usando os dados para incitar o ódio em outros países. Uma reportagem divulgada pelo New York Times, e também citada no documentário da Netflix, denunciava o governo russo pela criação de páginas e eventos no Facebook de movimentos negros nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, os russos movimentavam as páginas de grupos rivais de orgulho branco. Os dados recolhidos ajudavam a fomentar o medo e o ódio e virar a sociedade contra si própria. De acordo com a jornalista Carole Cadwalladr, finalista do prêmio Pulitzer de Reportagem Nacional de 2019, essas ações tem o propósito de dividir e conquistar. Assim, as fragmentações por meio dos dados previamente recolhidos no Facebook contribuem para ascensão de governos extremistas. Atualmente, Carole segue denunciando no jornal britânico The Observer, as ameaças globais que a falta de proteção de dados na internet oferece para a democracia.

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Mark Zuckerberg em depoimento sobre o escândalo da Cambridge Analytica, no Senado norte-americano, em 2018. (Foto: Xinhua / Barcroft Images)

No Brasil, em 2018, de acordo com o próprio Facebook, 443 mil pessoas tiveram os dados pessoais da rede usados sem consentimento prévio. No mesmo ano, o então presidente Michel Temer sancionou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGDB), que entraria em vigor em agosto desse ano, mas foi adiada para maio de 2021. A LGDB tem o objetivo de regulamentar o tratamento de dados pessoais do usuário feito por empresas públicas e privadas. Ela é inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) – lei elaborada na Europa, no ano passado. Em âmbito nacional, o Senado brasileiro aprovou uma Medida Provisória, no ano passado, para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), responsável por fiscalizar os cumprimentos da lei por parte das empresas públicas e privadas. Ações como essas indicam um caminho para evitar novos escândalos como o da Cambridge Analytica e tentar fazer com que a democracia não se perca em um banco de dados.

Formar a opinião pública para fins eleitorais vai além da “bolha” criada por redes como o Facebook para manter a crítica intacta, o que oculta a outra forma de pensamento. A ideologia é uma das ferramentas do uso de dados. Somos levados a pensar de uma forma a partir também da ocultação de informações do pensamento alheio, e isso, nos dias atuais, é relacionado diretamente com os hábitos digitais. Assim, pode-se dizer que a falta de segurança de dados é um dos fatores para a perda de uma liberdade crítica de pensamento contemporânea.

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