Julia Gerchenzon
6 Abril, 2020
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A mercantilização do ensino
Os alunos são divididos por idade, o pensamento é submetido às grades do relógio, os professores dão aula em pé, e os alunos participam de forma passiva. Cada criança é obrigada a memorizar o mesmo conteúdo, ao mesmo tempo, na mesma proporção. Há uma padronização de pensamento e comportamento e um juízo de valor pré-estabelecido do que é considerado válido, e do que não é. Apesar de ser ultrapassado, esse é o modelo de ensino padrão em grande parte do mundo.
É claro que há exceções dentro desse modelo. Na Austrália, o professor também exerce o papel de mediador. Na aula de geometria do nono ano de uma escola pública, por exemplo, os alunos precisam projetar uma planta de uma casa e assim, durante aproximadamente dois meses, e de forma prática, os alunos aprendem as fórmulas de geometria espacial. Além disso, se o aluno é muito bom em alguma matéria, ele pode assistir aula na série acima. No entanto, a figura do professor como dono da verdade, as cadeiras enfileiradas e o sistema de notas continuam padrão.
As escolas seguem a mesma lógica do sistema capitalista; hierarquia espacial, progresso padronizado, instruções e obediência. O aluno é um ser passivo, que não tem autonomia sobre seu aprendizado. Não há diálogo ou construção de um pensamento em conjunto (entre os alunos e professores). O objetivo das escolas é formar uma mão de obra para o mercado de trabalho. O Artigo 22 do estatuto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional afirma esse ponto de vista mercantil da educação brasileira.
''Art.22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. ''

Orfanato desativado de Janusz Korczak. (Foto: Julia Gerchenzon)
De acordo com o professor titular da USP e diretor do Instituto Paulo Freire, Moacir Gadotti, ''o neoliberalismo, ao transferir para a relação professor-aluno a lógica de rentabilidade e lucro do mercado, no interior da escola, causa tensão nas suas relações sociais e humanas. A relação professor-aluno torna-se tensa, agressiva, quando reproduz relações competitivas de mercado, porque, ao adquirir a forma do mercado, a escola acaba reproduzindo as relações de produção dominantes na sociedade. ''
Paulo Freire, um dos principais pensadores do campo da pedagogia, criticava o ensino das ''escolas burguesas''. Para ele, o objetivo principal da educação é o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos. Nas escolas tradicionais, o professor apenas transmite o conhecimento e os alunos só recebem as informações, de maneira hierárquica. Para ele, as relações dentro de sala de aula precisam ser afetivas e democráticas, professor e aluno aprendem juntos, e o conhecimento cultural dos alunos não pode ser considerado inferior, nem superior ao do professor.
Paulo Freire também criou um conceito para designar a escola que prepara a criança para tomar decisões, a Escola Cidadã. A ideia defende uma educação que é democraticamente organizada, que respeita e abrange a realidade local, as características socioculturais e conjunturas de cada comunidade. É um projeto pedagógico que inclui emoção, sensibilidade e criatividade. A escola cidadã também propõe uma inclusão da comunidade local e a democratização ao acesso, permanência e gestão da instituição. A referência da Escola é a cidadania e não as necessidades do mercado.
Outro educador crítico ao sistema de ensino tradicional foi o médico-pediatra e escritor polonês Janusz Korczak (1878 – 1942) que também era diretor do orfanato ''Lar das Crianças'', em Varsóvia. Korczak criou “técnicas” pedagógicas que possibilitaram a autogestão do orfanato pelas próprias crianças. Elas conseguiam desenvolver autonomia do pensamento e dos sentimentos, responsabilidade pelos seus próprios atos e liberdade de escolha. Nesse modelo, as crianças também ensinavam umas às outras, e tudo era observado pelos professores, que exerciam a função de mentores, e não apenas de 'transmissores'' de informação.
Uma educação de qualidade não é aquela que visa o primeiro lugar no vestibular de medicina ou um objetivo totalmente individual pautado na competitividade e obediência. A escola deveria propor uma didática reflexiva, crítica, transformadora, tendo como ferramenta principal o diálogo entre professores e alunos. O método Paulo Freire ensina o aluno a "ler o mundo", na expressão do educador. "Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la).".
CONTINUA
Pedro Bueno
6 Abril, 2020
Os relativismos escolares
No diálogo platônico de Teeteto, os conceitos de conhecimento e relativismo foram confrontados pela primeira vez na filosofia grega. Ao ser questionado por Sócrates, o jovem matemático Teeteto dialoga sobre o conhecimento e conclui o tema como uma percepção individual. Ou seja, as impressões dos indivíduos sobre as coisas determinam o que existe ou não. Diante da resposta do jovem, o filósofo dialoga sobre o relativismo. Os personagens platônicos concordam que se todos acharem que um fato existe ou não, teríamos diferentes verdades e mentiras e nada poderia ser concreto. Como solução, Platão aborda que o homem apropria as verdades de métodos e soluções em que ele acredita – ou seja, nos métodos científicos e matemáticos. Por meio das pesquisas, testes e conclusões, essas metodologias viraram uma fonte de credibilidade e, consequentemente, de conhecimento, sobre os acontecimentos na história do homem.
O assunto discutido por Platão reitera que existem verdades e formas de como o pensamento do ser humano pode alcançá-las. A democratização da informação confiável e a formação de um cidadão capaz de questionar aquilo que não é verdade são alguns dos efeitos do conhecimento. Em meio à pandemia do Covid-19 e com uma massiva quantidade de notícias que bombardeiam as pessoas, o conhecimento fornece filtros para derrubar “os fatos alternativos”. Entretanto, o conceito discutido no diálogo grego se tornou tardio. No começo da formação do cidadão contemporâneo, noções gerais da sociedade são deixadas de lado, muitas vezes, pelas escolas.
Na posse do ministro da educação, Abraham Weintraub, em abril de 2019, o presidente, Jair Bolsonaro, falou sobre objetivos da pasta de educação do país. “Queremos uma garotada que comece a não se interessar por política, como é atualmente dentro das escolas.” Apesar da frase totalmente inconsequente, o presidente não mentiu ao dizer o atual cenário. Nas eleições presidenciais de 2018, segundo dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de jovens votantes de 16 e 17 anos caiu 14,53% - e esses jovens correspondiam a 0,95% do eleitorado brasileiro. Assuntos que fazem parte do dia a dia do cidadão deveriam acompanhar a formação do indivíduo. Somente nas universidades, quando o mundo se abre para os estudantes, as discussões entram em voga, mas muitas vezes acompanhados de ideologias que não dão espaço para diálogos.

"Escola de Atenas", Rafael Sanzio, 1511. No quadro renascentista, o pintor retratou alguns dos filósfos da Grécia Antiga, entre eles Platão e seu aluno Aristóteles.
Nos meus tempos de escola, notícias como a Ibovespa caiu 3,76%, a 69.537 pontos ou que a Câmara aprovou uma PEC que cria orçamento de guerra, poderiam me gerar muitas dúvidas. Evidente que com pesquisas podemos chegar ao ponto que queremos, mas discutir a B3 ou como funciona a casa dos deputados, em Brasília, passa longe das salas de aula escolares. Cabe aqui um parêntese que não desvalorizo as matérias já aplicadas e seus profissionais. Sabemos que o sistema educacional não permite que o cidadão seja formado antes de aprovado no vestibular e cabe aos professores cumprir o objetivo dado pelas instituições – quanto mais aprovações, mais chances do nome da escola aparecer no ranking de aprovados do Enem.
Os jovens recém-formados nas escolas acabam tendo medo de encarar a vida adulta pela falta de conhecimento – olha ele de novo – das coisas que são obrigados a conviver no futuro. IPTU, IPVA, IR, IPCA: uma sopa de letrinhas que, mais cedo ou mais tarde, os brasileiros acabam comendo. O secretário de política, avaliação e pesquisa do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos, durante o governo Carter, Arnold Packer, diz em seu artigo “Creating Informed Citizens Should Be Education's Goal”, que a iniciativa educacional aplicada em 2010 nos EUA, parece se silenciar quando são tratados assuntos de mais abrangência social, como política econômica, imigração, avanços tecnológicos, riscos de terrorismo e outros.
Hoje, os relativismos de Teeteto parecem sair muito mais das salas de aula do que o conhecimento platônico. Os ataques feitos nos últimos anos aos métodos científicos, definidos por Platão como uma das bases para o conhecimento, são preocupantes. Em outro artigo, o professor de Harvard e pesquisador de saúde pública Atul Gawande escreveu para a revista americana “The New Yorker”, sobre a desvalorização da ciência em detrimento das opiniões individuais. Em “The Mistrust of Science”, o colaborador da revista fala que os indivíduos devem lutar não só pelo entendimento do significado de ser cientista, mas também do sentido de serem cidadãos.