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Artigos

BBB 20:

A leitura da temporada

Julia Gerchenzon

27 Abril, 2020

2/2

A patricinha mais legal e descolada de São Paulo, uma catequizadora e uma médica preta disputam a final do BBB20. O programa bateu recorde de audiência nesta temporada, dividiu o Brasil em dois lados, no paredão entre Manu, Prior e Mari (que foi esquecida nessa votação), concretizou a cultura do cancelamento e a militância digital, escancarou o racismo cordial na sociedade e levantou o debate sobre o feminismo liberal.

O combate ao machismo foi a principal bandeira debatida e enfrentada no BBB e é muito importante que esse tema seja veiculado em uma mídia de massa e que esteja entrando nas casas das famílias brasileiras. Os debates, as brigas e os participantes eliminados do programa foram fatores importantes para mostrar as diversas formas de machismos para a sociedade. Mas precisamos problematizar a vertente feminista que a maioria das participantes defendia, ou parecia defender. O feminismo liberal.

O feminismo liberal está centrado no indivíduo mulher e em sua liberdade de escolhas, tem como objetivo promover a igualdade entre homens e mulheres de forma gradativa, sem modificar as estruturas já pré-estabelecidas pela sociedade. É uma vertente que as grandes mídias reconhecem positivamente porque não ameaça as estruturas de negócio do mundo capitalista. O feminismo liberal parte de um pressuposto em que todas as mulheres partem do mesmo lugar na sociedade, não engloba questões raciais e classe.

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"Thelma Assis, a única representante inscrita na final, remanescente do grupo Pipoca (anônimos). Mulher, preta, médica, passista, filha e esposa.". (Foto: Intagram Thelma)

É importante reconhecer ações feministas na indústria cultural pela influência que esses debates, mesmo sendo rasos, têm na vida de meninas que estão descobrindo o feminismo. Mas não podemos reduzir esse movimento tão amplo em apenas mulheres brancas, com estilo de vida burguês, com cabelo liso, magras, vestidas com roupas monocromáticas ou vestidos floridos que custam mais de R$300. Isso não é o suficiente e não representa muitas mulheres brasileiras. Por outro lado, não podemos negar o efeito que a fala da Manu Gavassi teve quando mencionou a palavra sororidade à Felipe Prior. As buscas online pela definição aumentaram 250%.

Sororidade está diretamente relacionado ao feminismo interseccional, uma vertente que reconhece a importância da luta racial, social e que mostra as diferentes necessidades e experiências de todas as mulheres. Por exemplo, quanto mais uma mulher desvia do padrão do homem branco, rico e heterossexual, mais opressões essa mulher tende a sofrer. A sororidade busca uma empatia entre as lutas sociais das mulheres. A fala da mulher preta tem que ter mais espaço na sociedade, e isso não quer dizer desvalidar a fala da mulher branca, que fique claro.

Além disso, durante grande parte do programa, a Thelma, única mulher preta da edição, foi considerada como ''planta'' pelo público e até mesmo por outros participantes. Quando o tema feminismo do BBB era debatido dentro e fora da casa, muitas vezes, a figura e a voz da Thelma eram deixadas para escanteio. A Thelma incluiu no seu discurso feminista a questão racial. Diversas vezes ela comentava sobre ser a única mulher negra na faculdade de medicina em que estudou, sobre a trajetória de vida dela como mulher negra, atitudes que tomava dentro da profissão para tornar aquele ambiente mais representativo. A Thelma ensinou para as outras meninas a importância da representatividade da mulher preta na sociedade e junto com o Babu, me ensinou a usar a palavra ''preta'' ao invés da palavra ''negra''.

A médica também debatia sobre o preconceito racial que sofria dentro e fora da casa. A anestesista comentou sobre um dos principais problemas da sociedade brasileira, o racismo cordial, aquele aplicado de maneira discreta, como se a pessoa responsável pela atitude racista não tivesse intenção de ofender, uma discriminação estrutural e típica no Brasil, difícil de ser combatido. Um BBB marcado pelo debate sobre o feminismo e o combate ao racismo, a Thelma é sinônimo de representatividade.

CONTINUA

Pedro Bueno

27 Abril, 2020

O herói trágico 

A tragédia grega foi o primeiro gênero teatral que surgiu na Grécia. As histórias, protagonizadas por deuses, heróis mitológicos e semideuses, envolviam paixões humanas e drama. O filósofo Aristóteles dizia que a tragédia era capaz de transmitir, nas pessoas, as sensações vividas pelas personagens. O Big Brother Brasil não tem deuses, não tem mitologia, mas o que mais caracteriza o programa é o envolvimento do público que assiste os 18 confinados que, de certa forma, procura as paixões e conflitos na casa mais vigiada do país. Mas a 20ᵃ temporada do reality não somente atribui feitios do gênero grego, como trouxe para si o conceito mais marcante dele: o final infeliz e trágico.

O programa começou com uma reformulação. A missão da turma do Boninho era fazer o programa voltar a ser o que já foi tempos atrás e recuperar a audiência televisiva, já que a edição 19 apresentou a pior da história. Para isso, o camarote e os pipocas foram convocados. Era inédita a ideia de juntar pessoas já conhecidas aqui fora com estranhos – e até certo ponto, deu certo. O começo, entretanto, não se mostrava nada promissor. O BBB estreou com a segunda pior audiência da história do programa, perdendo justamente para a edição do ano passado. Aos poucos, a casa se tornou agitada. No Twitter, não se falava de outra coisa, e quando Hadybala e sua turma escancararam o tema mais debatido do programa – o machismo -, a audiência estourou. As pessoas se viam numa encruzilhada: ou ficavam de fora das rodas de conversas dos amigos ou teriam que começar a assistir esse raio de programa.

Os personagens começaram a aparecer e o público começou a eleger os preferidos. A Globo pareceu fazer de propósito colocar, na casa, participantes que fossem tão separados por nichos. Os participantes nunca foram tão divididos por grupos aqui fora. Isso ficou evidente no paredão em que as fadas e os futebolistas travaram uma guerra pela permanência de um de seus representantes lá dentro. Foi mais de 1,5 bilhão de votos para lutar pela permanência de Manu Gavassi contra Felipe Prior, o que entrou no Guinness Book como a maior votação já feita por um programa de televisão. No discurso de eliminação, Tiago Leifer destacou essa diferença entre os participantes e o que cada um deles representava aqui fora. Manu contra Prior na casa, Marquezine contra Neymar aqui fora.

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Babu Santana, o participante que bateu o recorde de mais votos recebidos pela casa e de idas ao paredão de todas as edições do programa. (Foto: Reprodução)

Os discursos dentro da casa nunca foram levados tão a sério. Um escorregão e o cancelamento era instantâneo. Até mesmo para Alexandre Santana, um homem de 40 anos de idade, que mostrou um milhão de vezes os seus valores dentro da casa. Foram muitas as puxadas de orelha no companheiro Prior e nos homens que saíram no início sobre machismo, algo que ele mesmo disse tentar se desconstruir cada vez mais, o que para um “coroa” com três filhos não é a missão mais fácil. Mas ainda assim, o “cardápio” falado por Babu não teve perdão. Logo começou um verdadeiro conflito entre os conceitos de feminismo, racismo, machismo e vitimismo que todos os dias caminhavam juntos com o programa. Passadas de pano e cancelamentos eram sinônimos de um reality que ficou intenso ao se tonar uma metalinguagem da sociedade: eram confinados que assistiam a confinados.

A promessa de boicotar o programa por fator X ou Y pareceu não funcionar com a edição 20. O BBB se tornou uma peça praticamente imune a todos os tipos de sabotagem. A saída de Felipe Prior, por exemplo, foi um marco para o programa, por tudo que ele representou para diferentes grupos de pessoas. E a dúvida de redução de audiência após a saída do paulista não passou de uma especulação. O público ligado no programa só aumentava e bateu recordes na reta final do reality.

A tragédia grega não se aplicou a Boninho, nem a Rede Globo, nem a Tiago Leifer e nem aos patrocinadores. Esses não sentiram nem de perto o destino trágico protagonizado por heróis gregos. O enredo do BBB se tornou trágico para um dos participantes mais merecedores do prêmio. Diferente de finais felizes, Babu quebrou recordes de mais indicações ao paredão, foram 10, e mais votos tomados dentro da casa, 42, para sair com 57% dos votos na última eliminação antes da final. Um cara que para ser tirado teve todo o caráter escondido pela exposição da imagem como vítima por ser desempregado, com dívidas e três filhos para criar, e por isso, não seria merecedor do dinheiro. Ao mesmo tempo, os R$1,5 milhão cairia melhor na mão de uma artista mimada rica, de uma médica que colocou em seu pódio duas participantes que escancaram preconceitos contra a raça dela e uma mulher que passou por um treinamento para entrar na casa e espalha a catequização pela África igual aos jesuítas do século XV. A tragédia do BBB 20 teve seu fim antes mesmo da votação final, em que o herói trágico morreu na última batalha antes da conquista do prêmio.

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