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Artigos

AMERICA LATINA:

Distância dos vizinhos?

Julia Gerchenzon

30 Março, 2020

Por que o brasileiro olha os outros países da América do Sul como os Estados Unidos olham pra gente?

O brasileiro e a 'síndrome do vira lata'’ vivem em uma relação estável há bastante tempo. Nada que é produzido no Brasil (não importa a esfera em que estamos falando, cultural, industrial ou científica), é tão bom quanto no exterior. Para o brasileiro, a grama do outro é sempre mais verde. Mas calma, a dos nossos vizinhos não. Quando falamos de América Latina, mais precisamente, América do Sul, nós, brasileiros, largamos a lata de lixo e nos transformamos em cachorros de raça com certificado pedigree.

Em 2017, eu fiz um intercâmbio com 47 brasileiros para Israel e lá convivemos com jovens de diferentes lugares do mundo; Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela, México, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. A maioria dos brasileiros tinha o inglês como segunda língua. A maioria dos brasileiros não sabia escrever em espanhol. A maioria tinha mais afinidade com os australianos, neozelandeses e americanos do que com os outros latinos.

Eu, por exemplo, parei para escutar uma música totalmente cantada em espanhol, pela primeira vez, neste ano. Com os uruguaios, eu descobri que o reggaeton é produzido, em sua maioria, em Porto Rico, e todos os hispanohablantes, escutam esse gênero. Os brasileiros, até então, só conheciam Despacito e Sim ou Não, da Anitta com Maluma. O nosso gosto musical era mais parecido com os dos australianos, do que com qualquer outro vizinho. Inclusive, comparávamos o reggaeton deles com o nosso funk, e era recíproco. A gente não se misturava. E lá, no fundo, tínhamos um certo orgulho disso. Éramos nós e eles. Isso ficou nítido em uma partida de futebol entre o Brasil e um grupo de meninos do Uruguai e Argentina. A torcida, na verdade, era dividida entre o Brasil e pessoas que falavam espanhol. 

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Território brasileiro separado da América Latina. (Foto: Getty)

Alguns fatores podem explicar esse afastamento histórico com nossos vizinhos. A colonização brasileira não fez parte da colonização espanhola, como ocorreu com o resto da América Latina e o processo de independência também foi diferente. Na América espanhola, a independência veio através do conflito armado contra a Coroa. Especialistas dizem que isso reforçou a formação da identidade cultural. 

Além disso, até o final da Guerra Fria os diplomatas brasileiros mantinham distância de questões regionais como estratégia para inserir o Brasil no quadro internacional. Em 1960, foi a primeira vez em que houve uma tentativa de integração comercial entre o Brasil e países da América do Sul, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Até a metade da década de 80, para grande parte dos brasileiros, a América Latina era apenas um conceito de localização geográfica. Ao longo do tempo, outros acordos econômicos foram criados, como o Mercosul em 1991. 

Uma pesquisa de opinião pública produzida com os brasileiros pelo Instituto de Relações Internacionais da USP concluiu que nós desprezamos a América Latina, mas, ao mesmo tempo, enxergamos o Brasil como líder regional. Segundo a pesquisa, apenas 4% dos brasileiros se consideram latinos, mas 66% das pessoas entrevistadas que moram no país acreditam que o Brasil seria a nação ideal para representar a América Latina no Conselho de Segurança da ONU.

No Brasil, somos estimulados a valorizar a cultura norte-americana e europeia, e não a de quem está do nosso lado, literalmente. A identidade latino americana, a qual o Brasil também faz parte, tem que ser explorada. Nós temos muito em comum com nossos vizinhos, mas o Brasil quer ser líder, não quer se misturar. O Brasil é os Estados Unidos wannabe na América Latina.

CONTINUA

Pedro Bueno

30 Março, 2020

Vizinhos "made in Paraguai"

Quando Simón Bolívar, “O Libertador”, começou o processo para a descolonização da América Latina, o Brasil vivia seus últimos anos como uma colônia portuguesa. Do Juramento del Monte Sacro, quando Bolívar jurou libertar os latinos dos domínios espanhóis, em 1805, até a sua morte, em 1830, vítima de tuberculose, o comandante espanhol participou de processos de independência de territórios que viriam a ser a Venezuela, a Colômbia, o Equador, o Peru e a Bolívia. Poucos anos antes da morte, Bolívar apresentou o conceito de pan-americanismo, que era o movimento de unificação dos países que formavam a América Espanhola em um só Estado. O início da história já mostra que o Brasil sempre foi um caso à parte nos povos vizinhos. 

Título 1

O passado pode justificar o porquê de o brasileiro ser distante dos latinos e, por muitas vezes, não se considerar como um. É comum ouvir as reclamações de quando os estadunidenses juntam todos os americanos (e diferenciaremos assim os termos que designam as nacionalidades) no mesmo saco. “Eu não sou chiquito(a).” O pensamento não é absurdo quando se pensa no processo histórico. A diferença parece já ter vindo junto com a formação dos primeiros povos nos territórios. Quis que os pioneiros em solos americanos fossem os Tupinambás, os Tamoios, os Tupiniquins, os Maias, os Astecas e os Incas. A sensação de viver em uma ilha (a maior, por sinal) em meio a um mar de sotaques espanhóis é um sentimento que aflora no brasileiro. Não à toa, ao buscar um sinônimo para latino na produção desse texto, me deparei com a palavra hispânico. 

Mas dado à composição histórica, o presente também grita uma diferenciação “anti-latina”. Na pesquisa "The Americas and the World: Public Opinion and Foreign Policy", feita em 2014/2015, pelo Centro de Investigação e Docência em Economia (Cide) do México, mostrou que apenas 4% dos brasileiros se identificam como latino-americanos. E o estudo vai além. Quando se tratou de uma hipotética abertura de cadeira no Conselho Nacional da ONU para representar a América Latina, 66% dos brasileiros indicaram o próprio país - o que traz a contradição representatividade e liderança. Por último, a pesquisa constatou que 54% dos nascidos no Brasil eram contra a livre circulação de pessoas na América, sem controles nas fronteiras (algo que soa lindamente aos ouvidos da população canarinho quando escutam sobre o Espaço Schengen em uma planejada viagem pela União Europeia). 

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Estátua de Simón Bolívar, o "libertador" da América Latina. (Foto: Amr Nabil/AP Images)

A globalização integrou o planeta. Os países nunca foram tão próximos, mas no Brasil, os 17359 km que separam a nação de Tóquio parecem ser menores que os 1233 km que nos distanciam do Paraguai. A falta de interesse e o preconceito dos brasileiros transformados em soberba e menosprezo diante dos latinos escancaram a rachadura da formação histórica que moldou os países do continente. A irritação no modo de falar dos nossos hermanos é um exemplo. “Eu não aguento ouvir argentino falar.” As eleições americanas, o brexit, os avanços tecnológicos do Japão, e, recentemente, até a cultura sul-coreana do vencedor do Oscar gritam aos olhos dos brasileiros como temas atraentes. Não é errado acompanhar essas notícias, muito pelo contrário. Mas há algum interesse em entender a renúncia e a dissolução do Congresso no Peru, a guerra que parece voltar entre as Farcs e o governo colombiano e a crise social gigante pelo qual passa o Chile, que revive medidas da ditadura Pinochet? Nesse quesito não culpo a imprensa, mas sim os leitores verdes e amarelo. 

O mundo, cada vez mais vai torna uma grande região. No grande bairro planeta Terra, o Brasil é aquele garoto que está sempre de olho nas casas dos mais ricos, dos garotos e garotas que sempre têm as coisas mais legais e os últimos lançamentos, que por muitas são “made in China”. Os latinos parecem ser aqueles vizinhos que sempre irritam a casa da “ordem e do progresso” com brinquedos que sempre vêm acompanhados com “made in Paraguai”. 

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